"Corda Bamba" veio do fundo da memória
05/10/13 07:00“Corda Bamba – História de uma Menina Equilibrista”, o primeiro longa-metragem baseado na obra de Lygia Bojunga Nunes, estreia nos cinemas no próximo dia 11. Um presentão de Dia das Crianças.
A “Folhinha” deste sábado traz alguns textos que escrevi sobre o filme e sobre os livros de Lygia, uma das minhas escritoras favoritas. Clique aqui e também aqui para ler.
Abaixo, trechos das duas entrevistas que fiz na última segunda-feira — a primeira com o diretor do filme, Eduardo Goldenstein, e a segunda com a sua filha, Bia, que faz o papel principal do filme.
Eduardo Goldenstein
Quando você entrou em contato com a obra de Lygia Bojunga?
Na minha infância. Tinha uns 9, 10 anos de idade. Comecei a ler os livros na época em que ela estava lançando esses livros — “A Bolsa Amarela”, “A Casa da Madrinha”, “Os Colegas”, “Corda Bamba”, que eu li com 10 anos de idade. “Corda”, particularmente, exerceu um impacto muito forte, me marcou muito. Eu lembro que foi uma das leituras mais marcantes que fiz na minha infância porque, primeiro, ele propunha um tema muito diferente, que eu não estava acostumado a ler nos livros que eu lia até então. Um tema trágico: uma menina que não sabe o que aconteceu com os pais, perdeu a memória, tem que sair de casa, o circo, vai morar com a avó que mal conhece, e começa a sonhar, a recobrar a memória dela através do sonho. Aquilo me marcou muito, achei diferente de tudo o que havia lido.
E como chegou à ideia de filmar “Corda Bamba”?
Estava estudando um tema para fazer um longa e já havia rascunhado alguma coisa em relação ao circo. Tinha muita vontade de fazer um filme que se passasse no circo e tivesse alguma relação com esse universo. Um belo dia, estava assistindo a uma palestra sobre roteiro com uma roteirista holandesa que estava no Brasil, e me veio uma imagem na cabeca, do nada, uma imagem muito forte, a de uma menina andando na corda bamba no alto de um prédio. Foi a partir daí que o filme nasceu. Eu me lembrei que essa imagem vinha do livro. Não pensava nele havia mais de 30 anos. Tinha 40 quando essa ideia veio. Ele estava bem guardado lá no fundo da memória. No mesmo momento, pensei: “aquele livro vai dar um belo filme”. E aí foi quando começou o processo. Eu havia guardado comigo a primeira edição do livro, a que eu havia lido, o original dele. Abri para reler, rever os detalhes da história, e no que fechei o livro já tinha a certeza de que eu queria transformar aquela história em um longa.
É a primeira vez que um filme adapta uma história de Lygia Bojunga. Como foi a experiência de convencê-la a ceder os direitos?
Foi muito interessante. Hoje acho que construí com a Lygia uma relação de amizade. Na verdade, essa relação eu já tinha dentro de mim por conta de ser um leitor dela, admirava muito os livros dela. Eu me aproximei através de um e-mail que enviei a ela, me identificando primeiramente como um leitor. “Seus livros fizeram parte da minha formação”, disse. Falei do “Corda Bamba”, exatamente o que estou te contando, que a imagem veio à minha cabeca e que eu gostaria muito de transformá-lo num filme. E ela me respondeu quase que imediatamente, dizendo que era muito reticente em vender os direitos. Ela é muito ciosa da sua obra, não costuma ceder os direitos. Mas deixou a porta aberta para uma conversa. Marquei um encontro com ela, começamos a conversar, falei das minhas intenções, como é que eu pensava em adaptar. Tivemos alguns encontros, fui mostrando alguns tratamentos [versões] do roteiro, e ela realmente autorizou. Teve uma intuição: “vamos lá, vamos fazer”. Foi muito bacana, foi uma relação de amizade que a gente construiu. Não sei se outras pessoas tentaram, ela não comentou. Sei que realmente ela é reservada em relação aos direitos, e que algumas peças de teatro foram feitas a partir de livros dela, mas realmente cinema é a primeira vez.
Lygia participou das filmagens?
Não. Depois que partimos para a filmagem, os últimos tratamentos eu já não mostrei mais para ela, que só foi ver o filme pronto, porque também julguei necessário ter um afastamento. Isso é muito importante quando a gente adapta um livro, ainda mais quando você tem uma relação assim com o autor, você ter um afastamento para poder colocar a sua visão singular daquela obra porque senão a gente pode cair só em uma mera ilustração, uma repetição daquilo que já está no livro.
E como foi a reação da Lygia ao ver o filme?
Fizemos uma sessão na casa dela, ela chamou vários amigos. Todos gostaram muito, ficamos horas debatendo o filme. Ela gostou também, senti que ela gostou e que ao mesmo tempo ficou um pouco balançada de ver aqueles personagens que partiram da cabeça dela, da criação dela, sendo colocados na tela, ganhando uma imagem. Pra você ter uma ideia, ela não gosta nem de trabalhar com ilustração nos livros dela. Ela trabalha com pouquíssimas ilustrações, e trabalhava durante muitos anos apenas com uma ilustradora [Regina Yolanda]. Essa questão da imagem é muito forte para a Lygia. E ela vem acompanhando os passos do filme desde que ficou pronto, em festivais. Agora no lançamento, ela está o tempo todo querendo saber.
Depois da sessão na casa da Lygia você mexeu no filme?
Não mexi, não. É a versão final. Já mostrei a versão final. Até porque esse filme foi realizado graças ao edital do MinC [Ministério da Cultura] de baixo orçamento. Foi a primeira vez que esse edital premiou um filme infantojuvenil. É até um pouco difícil colocá-lo nessa prateleira do infantojuvenil. Foi uma pergunta que eu fiz para a Lygia. “Lygia, será que essa história é realmente infantojuvenil? É tão bonita, universal”. E ela falou: “Pois é, Eduardo, essas prateleiras são exigências do mercado, a gente sempre precisa rotular, mas para mim é uma história para todos, aberta, qualquer pessoa pode ler”.
Mas, como a gente tem essa questão de mercado, estou colocando como um filme para a família. Então foi a primeira vez que o edital premiou um filme dentro desse nicho. É um recurso pequeno. Eles dão R$ 1 milhão de prêmio e nós conseguimos captar mais R$ 400 mil aqui na Secretaria de Cultura do Rio. Ele custou R$ 1,4 milhão, o que para cinema não é muita coisa. É um filme que tem efeitos, a menina andando na corda, filmagem no circo, figuração. Trabalhei muito no roteiro para realmente escolher bem aquilo que eu queria que estivesse no filme. Não tem nenhuma cena que a gente filmou que não esteja no filme. A gente não tinha como desperdiçar a nossa munição.
O texto de Lygia é muito simples e, ao mesmo tempo, muito denso psicologicamente, com personagens cheios de contornos. Qual foi o seu princípio para adaptá-lo na forma de imagens?
Essa personagem de “Corda Bamba”, a Maria, no livro a gente está entrando no pensamento dela. No filme eu poderia ter o recurso de trabalhar com o “off” [os pensamentos ditos pela voz da personagem], mas achei que não era por aí. Então optei realmente por deixar tudo muito concentrado no olhar dela, na expressão dela. É uma personagem que praticamente não fala, e as coisas vão se passando diante dela, e ela vai penetrando naquele mundo do imaginário, dos sonhos. Eu tentei construir de maneira tal que o espectador possa ir entrando dentro do pensamento da Maria e possa ir montando junto com ela aquele quebracabeça da memória dela, os fragmentos que ela vai recuperando atrás de cada porta, que o espectador fique junto com ela até o final. Houve um trabalho de roteiro muito grande no sentido de buscar a essência do livro, e transpor aquilo para a imagem cinematográfica.
Bia, sua filha, interpreta Maria. Ela era a sua escolha desde o início do projeto?
Não era. Tenho um casal de filhos, um menino e uma menina. Quando eles eram menores, eu lia muito para eles antes de dormir. Sempre abria um livro, eles pediam, era um hábito que tínhamos em casa. Quando decidir adaptar o livro, eu li a história para eles. Bia tinha 9 anos na época e ficou muito encantada, queria que eu continuasse, não deixava parar. Ficou muito marcada. Senti que aquela história pegou nela, até por conta da faixa etária, ela tinha a mesma idade da personagem, que tem 10 anos. Eu falei que estava querendo adaptar para fazer um filme, e desde o início ela dizia “eu quero muito fazer a Maria”. O que, num primeiro momento, a gente acha que é um capricho de uma criança.
Eu logo recusei, “imagina, isso é um filme, minha filha, é uma coisa muito séria”. Mas ela já tinha uma experiência com teatro na escola, que trabalha muito a área de artes, é construtivista e muito ligada à criação artística, monta peças superelaboradas no final do ano. Enfim, eu estava lá procurando a personagem, a menina que iria ser a Maria. Tinha visto algumas meninas, não tinha encontrado. Já estava com o elenco adulto escolhido e fomos fazer uma primeira leitura de roteiro, na produtora. Foi um dia à noite. Minha esposa, como produtora do filme, também estava lá, e levou minha filha, não tinha com quem deixar em casa. “E aí, quem vai ler [as falas de] Maria?” E minha filha chegou. “Ela está aqui, pode ler. Vamos fazer a leitura.” E ela fez a leitura. Quando acabou, os outros atores viraram para mim e disseram: “Acho que a sua busca pela Maria terminou aqui, porque não tem como ser outra pessoa”. Foi uma coisa que partiu do elenco. De fato, ela leu com muita propriedade, se apropriou daquela personagem, agarrou aquilo.
Bia Goldenstein
Você estava com dez para 11 anos quando fez “Corda Bamba”, e agora está com 14. Quais as lembranças que guardou dessa experiência?
Eu me lembro dos amigos que eu encontrei durante as filmagens, me lembro da preparação, do livro, das lembranças que ele me causou, da forma como fez mudar o meu olhar para a vida, para dar mais valor a certas coisas, e me lembro muito também como aprendi a fazer cinema.
Antes você só havia feito teatro, certo?
Eu fazia teatro na escola, era uma coisa nada profissional. A gente adaptava muitas histórias, a gente tratava muito o tema do ano na escola. Eu me lembro de ter feito uma peça que era o Carlos Drummond de Andrade junto com o Julio Verne, e eu era um pensamento do Julio Verne, que era o primeiro avião dele e era também a namorada dele.
Você continua a estudar na mesma escola?
Sim, estou na mesma escola [Escola Sá Pereira, no Botafogo, Rio de Janeiro]. Vou me formar [no Ensino Fundamental] no ano que vem, estou no oitavo ano.
Passou por alguma outra experiência em teatro fora da escola ou em cinema?
Não. Só na escola, nada de fora. Fiquei com vontade de fazer, cheguei a receber um convite, se não me engano do Canal Brasil, mas eu ainda não faço nem aula de teatro porque eu não tenho tempo para isso.
Como você conheceu “Corda Bamba”?
Meu pai sempre lia para a gente, eu e meu irmão, antes de a gente dormir, no nosso quarto. E antes de “Corda Bamba” ele já tinha apresentado pra gente [de Lygia Bojunga] “A Bolsa Amarela”. Ele tinha lido e eu tinha gostado muito desse livro, muito mesmo. Depois de ele ler pra gente eu li, estava começando naquela época a ler livro grande sozinha, e aí em seguida eu pedi para ele ler outro [de Lygia], e ele leu esse, “Corda Bamba”. Acho que ele me marcou mais do que “A Bolsa Amarela” porque esse, o “Bolsa”, é divertido de ler e tal, mas o “Corda Bamba” me marcou porque é mais melancólico, sentimental, ele mudou o meu jeito de pensar.
O que você se lembra de ter sentido durante a leitura?
Eu me lembro vagamente que fiquei muito chateada, muito triste por ela [Maria, a personagem principal], mas ao mesmo tempo eu queria fazer alguma coisa para ajudar ela. Eu queria descobrir qual a maneira, eu queria continuar a ler o livro, mas ao mesmo tempo eu queria parar porque eu queria arranjar a minha maneira de melhorar isso para ela com medo do que iria acontecer depois.
Depois você leu mais algum livro da Lygia Bojunga?
Depois eu li acho que mais um que agora eu não lembro o nome. Gostei também.
E hoje, o que você gosta de ler?
Eu gosto de ler esses dramas românticos de adolescentes, mas agora estou lendo a serie do Percy Jackson.
E filmes?
Gosto de ver comédias românticas com as minhas amigas, mas também dramas. Gosto muito de ver filmes, mas tenho visto muitas séries de TV. Eu ia muito ao cinema, mas parei de ir um pouco, vejo mais em casa. É porque eu ia com minha mãe e meu irmão, e agora que eu comecei a sair com as minhas amigas a gente faz outro tipo de coisa.