O general Ronin, um dos “homens-folha” da animação “Reino Escondido”, é dublado na versão brasileira pelo ator e cantor Daniel Boaventura, que completa 43 anos neste domingo.
No cinema, antes de fazer “Reino Escondido”, ele só havia participado de três filmes como ator (“3 Histórias da Bahia”, “Coisa de Mulher” e o ainda inédito “Odeio o Dia dos Namorados”) e dublado uma animação em “stop-motion”, o longa brasileiro “Minhocas”.
Abaixo, um bate-papo em que Daniel fala de dublagem (“você e o microfone no aquariozinho”) e da experiência incomum de ver pela primeira vez um trabalho seu com uma das filhas na poltrona ao lado.
Sua carreira em teatro e televisão é numerosa, mas você fez poucos trabalhos em cinema. Por quê?
Houve situações em que eu fui chamado para fazer filmes e estava em cartaz. O teatro musical ocupa muito tempo. Em 2006, por exemplo, eu gravava o “Malhação” e queríamos renovar para 2007, quando eu iria fazer “My Fair Lady” no teatro. Eu disse que só poderia assinar para “Malhação” se me deixassem livre nos três primeiros meses. Os ensaios para musicais tomam seis dias por semana, dez horas por dia, durante dois meses. É um tempo precioso para uma pessoa. Quando estava em “A Bela e a Fera”, cheguei a fazer oito sessões por semana. Trabalhava 28 dias por mês. Consome muito.
Se não houvesse esse problema, você gostaria de fazer mais cinema?
Gostaria muito. Em 2012 filmei “Odeio o Dia dos Namorados”, dirigido por Roberto Santucci, e que deve estrear em breve [o lançamento está programado para 7 de junho]. Gostei muito do processo. No ano passado, consegui fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Neste ano estou mais tranquilo, me dedicando, por enquanto, principalmente a shows.
Quando você começou a fazer dublagens para animações?
Antes de “Reino Escondido”, fiz “Minhocas” (Worms), a primeira animação brasileira de longa-metragem em “stop-motion”. Curiosamente, fiz primeiro a dublagem em inglês, em 2007. Só fui dublar em português no início desta semana. O filme deve ser lançado no fim do ano pela Fox [a estreia está programada para 20 de dezembro].
O general Ronin, personagem dublado por Daniel Boaventura em “Reino Escondido”
E “Reino Escondido”?
Eu estava fazendo “A Família Addams” no teatro quando o meu empresário me enviou um e-mail dizendo que tinha um convite. Fui ficando muito interessado pelo filme. Em primeiro lugar, por ser da produtora Blue Sky. Admiro muito o trabalho de Carlos Saldanha, embora este filme, especificamente, não seja dirigido por ele [Chris Wedge, diretor de “Robôs” e do primeiro “A Era do Gelo”, é quem assina “Reino Escondido”]. Depois, soube do personagem, o general Ronin. Achei interessante. Quando dublei, vi que ele ficou ainda mais interessante do que eu esperava. E não havia a necessidade de torná-lo engraçado. Era um herói “per se”, um líder, denso e intenso. No processo de dublagem, tive um primeiro momento que foi a gravação do trailer, dirigido pelo Guilherme Briggs. Homenzinhos verdes numa floresta! Fantástica surpresa. Na gravação para o filme, eu tinha um pouco de preconceito, tinha receio do “sync” [a sincronização do áudio com as imagens]. Mas fui dirigido pelo Manolo Rey, outro craque. Nos primeiros 20 ou 30 minutos já tinha a embocadura para o personagem, estava só me acostumando ao “sync”. O método de prestar atenção à música do diálogo foi a melhor coisa. Em uma hora estava craque. Era quase a sensação de jogar. Gravei tudo em cinco ou seis horas. Um dia no aquariozinho, como eu chamo o estúdio.
Você procurou se aproximar da interpretação de Colin Farrell, que faz Ronin na versão original?
Gostei muito do trabalho dele. Não tem como deixar de usar como referência. Você ouve a voz original enquanto dubla. Mas, se eu gosto, não acho que vou copiar. Em “My Fair Lady”, por exemplo, eu fiz o professor Higgins. Vi antes o filme com o Rex Harrison no papel. Talvez seja o maior trabalho dele. Que impressionante, que velocidade. “Como vou fazer isso em português?”, pensei. E as músicas, muito verborrágicas? Tinha músicas maravilhosas. A referência dele (Harrison) foi interessante não porque fosse copiar, mas porque acrescentaria. A voz do Colin Farrell é mais grave, areada. Cabia ir para essa textura. E notei que ele sabia jogar texto fora. Não empostava a voz ou nada desse tipo. Observei isso, e não copiei.
Você está acostumado a interagir com outros atores no palco e na TV. Não estranhou trabalhar sozinho no estúdio, gravando isoladamente as suas falas?
O pessoal que dublou o “Rio” me contou que só foi se ver na estreia do filme no Brasil. Não troquei palavra com o Murilo [Benício, que dubla Bomba, um pesquisador atrapalhado] em “Reino Escondido”. Fiquei no estúdio só com o diretor e o operador. O que me ajudou foi que estou acostumado a estúdio. Há seis anos encarei a carreira como cantor profissional, já gravei três CDs e um DVD. Eu me habituei a gravar em estúdio. A dublagem é um processo similar, você e o microfone no aquariozinho.
E qual foi a sua reação ao ver o filme inteiramente dublado, com o “encaixe” da sua voz no conjunto?
Tenho duas filhas, uma de 4 anos, Isabela, e outra de 10, Joana. A Joana é uma crítica de cinema nata. Quer sempre ficar até o final da sessão para ver os créditos, quem fez o quê. A Isabela naquele dia não pode, mas a Joana foi comigo ver “Reino Escondido”. Foi a primeira vez em que desfrutei um trabalho meu ao lado dela. Genial! Ela colada a mim, braço apertado. Muito engraçado, e muito especial. Foi um prazer inenarrável ver o conjunto, tudo se encaixando, sem contar a qualidade da imagem. Quando vi “A Era do Gelo”, fiquei pasmo desde a primeira cena com o realismo dos pelos do animal, com a expressão facial. O primeiro “take” de “Reino Escondido”, no meio do mato, me deu uma sensação parecida. O filme tem ação, humor, bons momentos dramáticos. Viajei, me diverti muito. Sei que sou suspeito, mas fiquei orgulhoso do trabalho.