Pais e filhos: quando o cinema também era aula
21/05/13 15:01Ao “folhear” no computador o PDF com a tese de doutorado do ator e diretor de teatro André Carrico, não pude deixar de notar a dedicatória:
“À memoria de Osvaldo, meu pai, que me levou pela mão pela primeira vez ao cinema. Era um filme dos Trapalhões.”
Já falei aqui sobre a tese de André (“Os Trapalhões no Reino da Academia: Revista, Rádio e Circo na Poética Trapalhônica”), defendida no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mas, curioso por causa da dedicatória, pedi a ele — hoje com 38 anos, e pai de Guido, 2 anos, que ainda não foi ao cinema — um relato para a série Pais e Filhos do blog.
Abaixo, o texto saboroso que ele me enviou, cheio de vida, sobre a sua primeira sessão de cinema, aos 4 anos, em Campinas (SP), e a tradição de família que nasceu ali: férias se tornaram sinônimo de filme dos Trapalhões.
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“É uma televisão gigante”, diziam meus irmãos mais velhos. Como eu nunca tinha visto uma sala de cinema na TV, imaginava que a tela cinematográfica fosse emoldurada por uma caixa de madeira com botões, um grande seletor de canais e encabeçada por chifres de antena, como era o tubo de imagens de casa. Minha primeira sessão foi aos quatro anos, levado por meu pai para assistir ao “Cinderelo Trapalhão” (1979). A tela era maior do que pensava, mas a experiência era diferente de tudo que já vira. Não era circo, não era teatro, nem televisão. Cinema era um encontro coletivo em que todo mundo ficava diante de uma placa de luz que mostrava o Didi, o Dedé, o Mussum e o Zacarias do tamanho que eles eram. Os carros, quando aceleravam, vinham para cima da gente, as rajadas de tiros atravessavam nossos ouvidos, a torta era arremessada na cara do “da poltrona”.
A partir daquele ano se tornaria tradição: férias era sinônimo de Trapalhões. Duas vezes por ano eu encontrava o grupo num dos nove cinemas de rua que havia em Campinas. Entrar no luxuoso saguão com a pipoca comprada no carrinho da rua, escolher entre dropes e balas de leite nos impecáveis mostruários das “bombonières”, eram a abertura de um ritual que só terminava com o baixar dos créditos e o acender das luzes. E cinema com meu pai também era aula, pois ele sempre tinha considerações sociais ou morais a respeito das fábulas daquele quarteto. Moleque gostava mesmo dos Trapalhões porque, ao contrário dos bobos heróis americanos, nossos geniais anti-heróis bebiam, fumavam, sacaneavam, corriam atrás de mulher…
Meu pai, minha mãe, meus irmãos também riam com a graça dos quatro palhaços. Afinal, eram malandros adultos envolvidos em problemas da vida adulta. Muito das agruras suburbanas dos trapalhões era familiar aos meus pais. E rir ao lado deles, no meio de uma multidão de risos, sentindo que eles também gostavam daquela palhaçadaria, me deixava seguro. E cedo me ensinou que o melhor remédio contra as maldades do mundo é a risada.