Censura Livrepetermann – Censura Livre http://censuralivre.blogfolha.uol.com.br por Sérgio Rizzo Mon, 02 Dec 2013 08:57:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Cenas de infância: Cristiano Burlan, Oliver Twist e o ratinho Fievel http://censuralivre.blogfolha.uol.com.br/2013/05/09/cenas-de-infancia-cristiano-burlan-oliver-twist-e-o-ratinho-fievel/ http://censuralivre.blogfolha.uol.com.br/2013/05/09/cenas-de-infancia-cristiano-burlan-oliver-twist-e-o-ratinho-fievel/#respond Thu, 09 May 2013 10:00:43 +0000 http://censuralivre.blogfolha.uol.com.br/?p=516 Continue lendo →]]> Os relatos da série Cenas de Infância, que venho recolhendo no blog, tratam em geral da primeira experiência de ir ao cinema. Um ou outro convidado se lembra, como ocorreu com Christian Petermann, de alguma sessão posterior.

É o caso também do cineasta e professor Cristiano Burlan, que conheceu o cinema em Porto Alegre, mas que viveu a primeira sessão inesquecível já em São Paulo, aos 11 anos.

Burlan ganhou, em abril, o prêmio de melhor longa-metragem brasileiro do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários com seu trabalho mais recente, “Mataram Meu Irmão”, que trabalha com memórias pessoais.

A seguir, Burlan fala sobre a importância de um ratinho russo em sua vida e em sua trajetória profissional.

“Fievel, Um Conto Americano” (1986), produção da Amblin de Steven Spielberg em parceria com a Universal

A primeira lembrança que tenho do cinema é muito antiga, ainda remete à minha infância em Porto Alegre sendo levado pela minha mãe e pelo meu pai para ver os filmes dos Trapalhões no Cine Leão. Um cinema à moda antiga, com colunas neoclássicas e o cheiro de pipoca impregnado no ar. Mas, naquele momento, ainda não tinha passado por uma experiência catártica.

A primeira grande emoção que tive dentro de uma sala de cinema foi aos 11 anos de idade, já morando em São Paulo.

Em 1985, mudamos de Porto Alegre para cá. Logo que chegamos fomos morar num bairro muito pobre em Osasco, chamado Olaria do Nino. Meu pai trabalhava como pedreiro, minha mãe era empregada doméstica. Casa muito simples e pequena, e o dinheiro sempre muito curto.

Um dia acordei e pedi à minha mãe dinheiro para ir ao cinema, mas disse para ela que gostaria muito de ir sozinho pela primeira vez. Ela me falou que não tinha o dinheiro naquele momento, mas que iria juntar e que no final do mês me daria. Aguardei ansiosamente.

Naquela época estava lendo um livro que me marcou profundamente, “Oliver Twist”, de Charles Dickens, cujo protagonista é um órfão. Um dos temas do romance é a delinquência provocada pelas condições precárias da sociedade inglesa na era vitoriana, no século 19.

E o filme que escolhi assistir foi “Fievel, Um Conto Americano” (An American Tail, 1986). Saí de Osasco sozinho, de ônibus, e fui até o Shopping Eldorado, em Pinheiros. Tinha 11 anos de idade na época e o ano era 1986. Lembro que, quando cheguei na bilheteria, todas as crianças estavam acompanhadas dos seus pais, o que me deixou um pouco triste. Mas não me abati, porque estava tomado por uma sensação incrível de liberdade. Estava me sentindo um adulto indo sozinho ao cinema.

Minha mãe tinha me dado o dinheiro certinho para a passagem, o ingresso, pipoca, refrigerante e um drops Dulcora.

Havia chegado o grande momento. Entrei na sala, as luzes se apagaram e a projeção começou. Nunca vou esquecer a sensação dúbia de medo por estar só e, ao mesmo tempo, de ter descoberto o lugar mais seguro do mundo para se estar durante a vida.

“Fievel, Um Conto Americano” se passa na Rússia, em 1885, quando a família de ratos russo-judaica Ratoskewitz decide imigrar para os EUA, à procura de uma vida melhor. Fartos dos ataques dos gatos, os Ratoskewitzes acreditam que seus predadores não existem no “novo mundo”. Durante a viagem de navio, o pequeno Fievel é levado por uma tempestade, sendo separado da família. Ao chegarem, acreditam que perderam Fievel para sempre.

Mas ele também consegue chegar a Nova York, dentro de uma garrafa, e é ajudado por um pombo francês chamado Henri. O pequeno ratinho parte em busca da sua família, e logo começa a descobrir a dura realidade desse “novo mundo”, onde afinal também existem gatos.

A impressão que tenho até hoje dessa experiência é que tudo o que passei pela minha vida e o que me tornei tem a ver um pouco com esses dois personagens, com Oliver Twist e com o ratinho Fievel. Passei mais tempo da minha vida dentro de uma sala de cinema do que fora dela e tenho uma certa resistência a perceber o mundo por um prisma da realidade. E, sempre que volto a esse momento catártico e epifânico da minha vida, me lembro de uma frase de Chaplin: “Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação”.

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Cenas de infância: Christian Petermann e o primeiro contato imediato com Spielberg http://censuralivre.blogfolha.uol.com.br/2013/04/25/cenas-de-infancia-christian-petermann-e-o-primeiro-contato-imediato-com-spielberg/ http://censuralivre.blogfolha.uol.com.br/2013/04/25/cenas-de-infancia-christian-petermann-e-o-primeiro-contato-imediato-com-spielberg/#comments Thu, 25 Apr 2013 17:07:13 +0000 http://censuralivre.blogfolha.uol.com.br/?p=477 Continue lendo →]]> Jornalista e crítico de cinema há 27 anos, Christian Petermann começou a ir sozinho ao cinema no final da década de 1970. Naquela época, conheceu o seu primeiro Steven Spielberg, que ele nunca esqueceu: “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (Close Encounters of the Third Kind, 1977).

Colaborador do “Guia da Folha” entre 1998 e 2012, ele escreve hoje para a “Rolling Stone” e para a “Revista da Cultura”, além de trabalhar como curador do festival semestral Cine MuBE Vitrine Independente e como assessor da ONG CineMaterna. Está envolvido também com o Giffoni São Paulo Film Festival, voltado ao espectador adolescente.

No relato abaixo, Christian diz que uma sessão de “Contatos” mudou a sua vida como espectador por apresentá-lo ao potencial de convencimento e sedução do cinema.

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No pôster do filme, a explicação para os três graus de “contato imediato” com vida extraterrestre: no primeiro, observa-se um OVNI; no segundo, tem-se uma evidência física; no terceiro, contato.

A minha cinefilia teve seu ponto de partida com a paixão que minha mãe alimentava pelo cinema clássico de Hollywood. Desde muito pequeno, lembro de ser levado a sessões regulares de todos os filmes dos Trapalhões e às estreias ou reprises Disney da temporada. Demonstrei imediato fascínio pelo universo do escurinho do cinema, a ponto de reagir emocionado ao ouvir, por exemplo, a trilha sonora do filme “Love Story” (1970) no ambiente da sala de cinema, esperando para assistir a algo “censura livre”. Desde cedo alimentei essa cinefilia e tive carta branca de, no final dos anos 1970, já começar a circular pelos cinemas mais próximos para tentar assistir a tudo que minha idade permitia.

Indo com essa sede ao pote, cheguei a assistir, aos 12 anos de idade, ao filme “A Árvore dos Tamancos” (1978), de Ermanno Olmi, sentindo a “seriedade” do filme, mas ainda me considerando, enquanto espectador, despreparado para a crueza visual e a lentidão narrativa da fita. Um ano antes, porém, surgiu aquele filme que pela primeira vez provocou inúmeras sessões de arrepios na minha pele, instantes de deslumbramento e a certeza de que era nesse mundo da Sétima Arte que eu queria mergulhar – não como um realizador, mas de fato como um crítico. Sou fã declarado de ficção científica, o gênero que faz meu lado espectador vibrar até hoje. Sou um “trekker” de acompanhar os episódios da série “Jornada nas Estrelas” (“Star Trek”) na telinha desde os meus oito, nove anos. Mas em 1977, muito mais do que aquele “Star Wars” original de George Lucas, foi o ano em que aconteceu “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg.

Foi talvez o meu primeiro contato imediato pleno com a paixão que eu compartilharia/compartilho/compartilharei com o cinema. Lembro-me nitidamente de ter comprado em livro a novelização do filme antes de seu lançamento por aqui, leitura feita em férias numa colônia qualquer. Mas o dia em que, com o coração na boca, eu entrei na sala maior das duas que existiam no shopping Iguatemi para assistir às aventuras do garoto Barry Guiler (Cary Guffey) – sua visão de um OVNI, a montanha feita de purê de batata, a aventura extrema no clímax –, tive uma epifania. Fui muito ligado em ufologia na infância e na adolescência, mas não era apenas o fascínio por esse tema que explica o fascínio absurdo que o filme provocou em mim.

François Truffaut como o Lacombe de “Contatos Imediatos”

“Contatos” mudou minha vida enquanto espectador e, em decorrência, como futuro crítico. Assistindo ao filme, pressenti parte do potencial que o cinema tem em convencer e seduzir. Não estava assistindo apenas a um filme muito divertido ou a ótimas interpretações de atores, entre eles um diretor chamado François Truffaut, sobre quem já tinha lido, mas cujo primeiro contato real só viria a acontecer aos 17 anos assistindo a “De Repente num Domingo” (1983), seu último trabalho – para depois, com o tempo, passar a apreciar toda sua filmografia. O filme de Spielberg atestou pra mim a força de uma trilha sonora – as cinco notas “em contato” da trilha de John Williams fizeram parte de minha vida por anos. Nunca mais deixei de ouvir com atenção qualquer trilha sonora (ou ausência de).

E o primeiro Steven Spielberg a que se assiste em tela de cinema, ainda mais com 11 anos de idade, não se esquece jamais! Naquele mesmo ano, o clímax de “Star Wars” (quer dizer, então “Guerra nas Estrelas”), com a destruição da Estrela da Morte, até que foi muito legal! Mas não era nada que se comparasse (e se compare até hoje) com o final daquele primeiro contato imediato de/com Spielberg.

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