"Crianças dão de 10 a 0 nos adultos"
06/07/13 08:00O diretor e roteirista Luiz Bolognesi e sua mulher, a diretora Laís Bodanzky, criaram em 2004 o Cine Tela Brasil, projeto de exibição gratuita e itinerante sobre o qual falo em texto publicado na edição de hoje da “Folhinha”.
Em julho, a sala do Tela Brasil (com 225 lugares) circulará por seis regiões da Capital: Sé, Largo da Batata, Parada de Taipas, Jaçanã, Capão Redondo e Cidade Tiradentes.
A seguir, trechos da entrevista que fiz nesta semana com Bolognesi — muito feliz com a carreira internacional da animação “Uma História de Amor e Fúria” (classificação indicativa: 12 anos), recentemente premiada no tradicional e concorrido Festival de Annecy (França), e que está na programação de julho do Tela Brasil.
Podemos dizer que o Cine Tela Brasil é um filho de outro projeto seu e da Laís, o Cine Mambembe (1995-2004)?
Totalmente. O Cine Mambembe era mais voluntário. Rodamos 13 mil quilômetros, em mais ou menos 15 estados das regiões Sudeste, Norte e Nordeste. Só exibíamos curtas. Se havia muita criança na sessão, sacávamos e exibíamos “Novela” (1992), de Otto Guerra, uma animação com jacarés que tira sarro de telenovelas, de morrer de rir, e “A Velha a Fiar” (1964), de Humberto Mauro, que também funcionava muito bem. As crianças cantavam junto. Esses filmes faziam muito sucesso com todos as plateias: urbanas, rurais, indígenas.
O Tela Brasil é a profissionalização do Cine Mambembe. Desde 2044, já alcançou quase 1,3 milhão de espectadores. E desde o começo pensamos em filmes de classificação indicativa livre. Mais da metade do público tem menos de 14 anos. A molecada sai de uma sessão e vai para a fila da próxima. Às vezes, veem quatro filmes no mesmo dia. Adulto não faz isso. Às vezes tem tanta criança que alteramos a programação. Avisamos que vamos passar outro filme por causa da maioria.
“Tainá” 1 (2001) e 2 (2004) são os nossos campeões de público, seguidos por “Lisbela e o Prisioneiro” (2003) e “Rio” (2011). Todo mundo adora “Tainá”. Nosso sonho de consumo é o terceiro filme da série, mas o distribuidor ainda não liberou. Estamos fazendo também sessões fechadas para escolas, com material didático.
Quais os critérios para escolher os filmes do projeto?
Um grupo do Tela Brasil formado por gerentes, coordenadores, por mim e pela Laís estuda os filmes lançados no último ano e meio. Buscamos filmes de qualidade que promovam entretenimento e reflexão. “Gonzaga” (2012), por exemplo, é perfeito. “Eu e Meu Guarda-Chuva” (2010), também. Depois, negociamos com os distribuidores. Muitos são bacanas. Outros são irredutíveis. Botam o preço lá em cima e inviabilizam a exibição. Nem todos os distribuidores têm noções de responsabilidade social.
Por que poucos filmes infantis são produzidos no Brasil?
Produzimos quase nada de filme infantil. Não chega a três longas entre os 80 feitos por ano. É muito pouco. Nós mesmos, produtores, esquecemos. Falo por mim: existe entre nós um certo preconceito, como se filme para crianças fosse algo menor. Não entendemos o passo que é dado com um filme infantil. Ele não ganha prêmio em festival, mas vai ser importante porque está formando espectadores. É uma pena, porque os infantis vão bem de público, têm vida longa no DVD. É preciso abrir os olhos e ver um caminho. A animação é uma das áreas que mais crescem.
Recentemente, escrevi com três roteiristas franceses o roteiro de “Planeta Verde”, um “live action” com animais rodado em 3D na Amazônia e lançamento previsto para 2014. É a história de um macaquinho de circo que cai na Amazônia e precisa aprender a ser bicho. E aí tomei bronca em casa das minhas filhas [de 10 e 8 anos]: “Finalmente, pai, você fez um filme que a gente pode ver”.
E você não pensa em dirigir um filme para crianças?
Tenho vontade de fazer um, em 2015/2016. Um filme sobre a história do Brasil vista a partir de São Paulo, sobre quem somos nós, para a família toda, com protagonistas crianças. Depois do prêmio em Annecy para “Uma História de Amor e Fúria”, aumentaram as possibilidades de fazer esse outro. Estamos começando. É tudo muito lento. Mas, como o prêmio em Annecy confirmou, esse é o jeito certo de fazer.
Há alguma dificuldade especial em escrever filmes infantis? Alguns dizem que a criança é um público mais exigente do que o adulto.
Penso na criança como um pequeno adulto. Em “Planeta Verde”, a maior dificuldade foi que o protagonista é um macaco que não fala. Eu pensava nos problemas dele. O grande erro é infantilizar o raciocínio das crianças. Eu me surpreendo com as minhas filhas o tempo todo. Crianças estão mais livres de preconceitos do que nós. São muito livres e sensíveis. Tratamos as crianças com ti-ti-ti, e o raciocínio delas está lá na frente. Entendem tudo. São surpreendentes. Crianças dão de 10 a 0 nos adultos. Se não gostam de um filme, saem no meio. Mas, quando gostam, veem a semana inteira.