Jornalista e crítico de cinema há 27 anos, Christian Petermann começou a ir sozinho ao cinema no final da década de 1970. Naquela época, conheceu o seu primeiro Steven Spielberg, que ele nunca esqueceu: “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (Close Encounters of the Third Kind, 1977).
Colaborador do “Guia da Folha” entre 1998 e 2012, ele escreve hoje para a “Rolling Stone” e para a “Revista da Cultura”, além de trabalhar como curador do festival semestral Cine MuBE Vitrine Independente e como assessor da ONG CineMaterna. Está envolvido também com o Giffoni São Paulo Film Festival, voltado ao espectador adolescente.
No relato abaixo, Christian diz que uma sessão de “Contatos” mudou a sua vida como espectador por apresentá-lo ao potencial de convencimento e sedução do cinema.
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No pôster do filme, a explicação para os três graus de “contato imediato” com vida extraterrestre: no primeiro, observa-se um OVNI; no segundo, tem-se uma evidência física; no terceiro, contato.
A minha cinefilia teve seu ponto de partida com a paixão que minha mãe alimentava pelo cinema clássico de Hollywood. Desde muito pequeno, lembro de ser levado a sessões regulares de todos os filmes dos Trapalhões e às estreias ou reprises Disney da temporada. Demonstrei imediato fascínio pelo universo do escurinho do cinema, a ponto de reagir emocionado ao ouvir, por exemplo, a trilha sonora do filme “Love Story” (1970) no ambiente da sala de cinema, esperando para assistir a algo “censura livre”. Desde cedo alimentei essa cinefilia e tive carta branca de, no final dos anos 1970, já começar a circular pelos cinemas mais próximos para tentar assistir a tudo que minha idade permitia.
Indo com essa sede ao pote, cheguei a assistir, aos 12 anos de idade, ao filme “A Árvore dos Tamancos” (1978), de Ermanno Olmi, sentindo a “seriedade” do filme, mas ainda me considerando, enquanto espectador, despreparado para a crueza visual e a lentidão narrativa da fita. Um ano antes, porém, surgiu aquele filme que pela primeira vez provocou inúmeras sessões de arrepios na minha pele, instantes de deslumbramento e a certeza de que era nesse mundo da Sétima Arte que eu queria mergulhar – não como um realizador, mas de fato como um crítico. Sou fã declarado de ficção científica, o gênero que faz meu lado espectador vibrar até hoje. Sou um “trekker” de acompanhar os episódios da série “Jornada nas Estrelas” (“Star Trek”) na telinha desde os meus oito, nove anos. Mas em 1977, muito mais do que aquele “Star Wars” original de George Lucas, foi o ano em que aconteceu “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg.
Foi talvez o meu primeiro contato imediato pleno com a paixão que eu compartilharia/compartilho/compartilharei com o cinema. Lembro-me nitidamente de ter comprado em livro a novelização do filme antes de seu lançamento por aqui, leitura feita em férias numa colônia qualquer. Mas o dia em que, com o coração na boca, eu entrei na sala maior das duas que existiam no shopping Iguatemi para assistir às aventuras do garoto Barry Guiler (Cary Guffey) – sua visão de um OVNI, a montanha feita de purê de batata, a aventura extrema no clímax –, tive uma epifania. Fui muito ligado em ufologia na infância e na adolescência, mas não era apenas o fascínio por esse tema que explica o fascínio absurdo que o filme provocou em mim.
François Truffaut como o Lacombe de “Contatos Imediatos”
“Contatos” mudou minha vida enquanto espectador e, em decorrência, como futuro crítico. Assistindo ao filme, pressenti parte do potencial que o cinema tem em convencer e seduzir. Não estava assistindo apenas a um filme muito divertido ou a ótimas interpretações de atores, entre eles um diretor chamado François Truffaut, sobre quem já tinha lido, mas cujo primeiro contato real só viria a acontecer aos 17 anos assistindo a “De Repente num Domingo” (1983), seu último trabalho – para depois, com o tempo, passar a apreciar toda sua filmografia. O filme de Spielberg atestou pra mim a força de uma trilha sonora – as cinco notas “em contato” da trilha de John Williams fizeram parte de minha vida por anos. Nunca mais deixei de ouvir com atenção qualquer trilha sonora (ou ausência de).
E o primeiro Steven Spielberg a que se assiste em tela de cinema, ainda mais com 11 anos de idade, não se esquece jamais! Naquele mesmo ano, o clímax de “Star Wars” (quer dizer, então “Guerra nas Estrelas”), com a destruição da Estrela da Morte, até que foi muito legal! Mas não era nada que se comparasse (e se compare até hoje) com o final daquele primeiro contato imediato de/com Spielberg.